Pré-sal. Ou seria pré-cidadania?
Um dos sintomas mais graves do déficit de cidadania de uma sociedade é quando começamos a confundir valores e princípios éticos básicos. Como já tivemos oportunidade de observar aqui algumas vezes, isso acontece de maneira especialmente mais aguda quando temos um governo que insiste em tutelar demais a sociedade que, por sua vez não dispõe de um nível satisfatório de entendimento da verdadeira essência da cidadania.
Nos últimos anos os exemplos têm-se multiplicado exponencialmente. Desde o equívoco da política afirmativa racista das cotas das universidades à decisão autocrática de enfraquecimento da ANP com o “pacotão Pré-sal”, que o governo empurrou goela abaixo da cidadania. E temos tido casos de todos os calibres, para todos os gostos: quebra impune do sigilo bancário de um caseiro, interferência política na Receita Federal, inexistência de ética numa comissão de ética, mensalões, mensalinhos, castelões e castelinhos os mais variados.
Este cenário nos remete à idade pré-cidadania na história da humanidade, quando o rei era o governante absoluto. Senhor da Justiça, da economia e da própria vida de seus súditos. Vieram novos ares, o conceito de “cidadão” e, com eles, a noção de o poder deveria ser limitado e compartilhado, resultando no atual modelo de poderes interdependentes.
Mas o desenvolvimento da consciência da cidadania se dá em escala diferente em cada sociedade, e aqui no Brasil temos muito o que progredir. Ainda que estejamos um grau acima de países vizinhos – alguns deles, sim, a apenas um degrau de um Estado absolutista – fazemos confusão acerca dos valores que norteiam a cidadania. Tomamos “Estado”, perene, por “governos”, temporários e que devem servir aos cidadãos. Acreditamos na “Justiça” como simples “justiça social”. Confundimos o “bem público” com “propriedade privada” e “vida” com “condições de vida”. Em suma, não distinguimos entre a real democracia e a perigosa demagogia; esta, sim, o grande mal moderno que vem deteriorando governos no mundo inteiro.
Pois, como bem observou o historiador inglês Lord Acton, em 1887, o poder absoluto corrompe absolutamente.