O Globo
Assim como, para pegar o gângster Al Capone, foi preciso que a Receita americana
atuasse, os procuradores do Ministério Público paulista estão
tentando impugnar as candidaturas do ex-prefeito paulista Paulo Maluf e do ex-presidente
da Câmara João Paulo Cunha através de pequenos artifícios.
Contra Maluf, alegam que não declarou seus bens no exterior — o que
não poderia fazer, já que, apesar das evidências, nega possuí-los.
E contra o petista João Paulo Cunha, envolvido no escândalo dos mensaleiros
e absolvido pelo corporativismo da Câmara, alegam a falta de pagamento de
multas. Os procuradores, não apenas os de São Paulo mas de todo
o país, terão a partir da próxima semana um instrumento muito
mais poderoso, se não para evitar candidaturas, pelo menos para evitar
a posse de eleitos que, como Maluf e Cunha, estejam envolvidos com acusações
de corrupção.
A decisão do procurador-geral da República, Antônio Fernando
de Souza, de encaminhar aos procuradores regionais eleitorais a petição
do deputado Miro Teixeira para que, com base na Constituição,
comecem a preparar ações de impugnação de mandatos
eletivos “contra quem comprovadamente tenha praticado abuso do poder econômico,
corrupção ou fraude e que, por desventura, venha a ser eleito
ou reeleito nas próximas eleições” é um passo
inicial de um processo que pode mudar radicalmente a política brasileira.
Foi Antônio Fernando quem denunciou ao Supremo Tribunal Federal por formação
de quadrilha, entre outros crimes, “a organização criminosa”
do mensalão.
O fato de o procurador-geral ter encaminhado seu despacho a todos os procuradores
nos estados significa que considerou a petição do deputado do
Rio procedente, embora não tenha assumido formalmente a tese defendida
por Miro Teixeira, e nem esse seria seu papel. Ele só tem iniciativa
no caso de impugnação de presidente da República, porque
a instância original é o TSE.
Acompanha a petição o seguinte despacho: “Encaminho cópia
da petição do deputado Miro Teixeira para que tomem conhecimento
e tomem providências que entenderem cabíveis”. Mas não
é de hoje que o procurador-geral da República fala em decisões
restritivas de tribunais regionais em face à Constituição.
Na posse do ministro Marco Aurélio de Mello na presidência do Tribunal
Superior Eleitoral, ele falou dos “vícios do processo eleitoral
brasileiro”.
Na sua petição, o deputado Miro Teixeira alerta para o fato de
que “a urgência das medidas de caráter preparatório,
tais como a instauração de procedimentos administrativos e/ou
a requisição de documentos ou diligências (art. 7º
da Lei Complementar 75/93), é ditada pelas indagações da
opinião pública, que está na condição de
refém de artifícios legais que garantem a impunidade”. Sem
essas providências preparatórias, o prazo de 15 dias para a propositura
da ação não seria cumprido.
Miro afirma que tramitam, especialmente no Supremo Tribunal Federal, inquéritos
com provas fartamente documentadas contra candidatos ao pleito deste ano, “mas
não há possibilidade de conclusão e trânsito em julgado
dos feitos até as próximas eleições”. A petição
do deputado está baseada no parágrafo 10 do artigo XIV da Constituição,
que diz que “o mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça
Eleitoral no prazo de 15 dias contados da diplomação, instruída
a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção
ou fraude”.
Miro lembra que a Constituição foi usada pelo Supremo Tribunal
Federal para combater o nepotismo, com base no princípio da moralidade.
Na interpretação do deputado Miro Teixeira, “a prova de
corrupção impede o mandato, tendo ou não os crimes praticados
ocorrido em período eleitoral. Qualquer restrição temporal
à aplicação da ordem constitucional tornaria absolutamente
inócua a norma, até porque dos crimes relativos às eleições
já tratam os institutos próprios e infraconstitucionais”.
Não foi esse o entendimento de técnicos do Tribunal Superior
Eleitoral, que emitiram esta semana uma nota em que sugerem que casos concretos
venham a ser examinados quando se apresentarem. Ainda haverá o pronunciamento
de um dos juízes do TSE, mas a decisão dos procuradores regionais
corre paralelamente à decisão.
Miro lembra na petição que “há provas recolhidas
pela Polícia Federal e pelo Ministério Público que indicam,
nas ações descritas, ofensas sem precedentes aos princípios
constitucionais da moralidade e legalidade administrativa, suficientes para
impedir o exercício de qualquer função pública e,
com maior razão, de mandatos eletivos”.
A questão que se coloca é: como uma pessoa não pode fazer
um concurso público se tiver antecedentes de alguma espécie, mesmo
sem trânsito em julgado, e pode se candidatar e assumir um mandato eletivo?
Além da atuação do Ministério Público, uma
outra ação poderá ser tomada. A ONG A Voz do Cidadão
está fazendo uma campanha para que o TSE passe a exigir dos partidos
que apresentem uma declaração de bons antecedentes logo no registro
das candidaturas. “A legislação de concurso público
exige de qualquer cidadão, ou a lei das licitações exige
das empresas, ou mesmo os Detrans exigem prontuário de qualquer candidato
a motorista diploma bem menos importante do que o de um mandato político”,
comenta o publicitário Jorge Maranhão.
Mas essa é uma ação de médio prazo, assim como
a mudança da lei complementar das inelegibilidades, que define que apenas
os processos com “trânsito em julgado” podem impedir a candidatura
ou a posse de alguém, ferindo o espírito da Constituição,
no entender de vários juristas. A ação dos Ministérios
Públicos em cada estado, com a confiança que eles inspiram na
sociedade, seria a melhor solução, e a mais rápida. Com
base na Constituição de 1988, que marca a retomada da democracia
no país.