O advogado de Cachoeira

O advogado de Cachoeira

Às vésperas do julgamento do senador Demóstenes Torres por seus pares, no plenário do Senado, vale fazermos aqui algumas reflexões sobre a outra ponta do escândalo, o suposto corruptor e bicheiro Carlinhos Cachoeira e as táticas empregadas por seu advogado para livrá-lo das acusações.

Em excelente artigo publicado na mídia neste final de semana, o jornalista J. R. Guzzo nos chama a atenção para alguns absurdos na estratégia firmada pelo renomado advogado Marcio Thomaz Bastos – ex-ministro da Justiça – para auxiliar seu cliente. Reparem bem que estamos falando de um dos advogados criminalistas mais respeitados do país, dono de um saber jurídico inquestionável e profundo conhecedor dos meandros da Justiça brasileira. Por isso mesmo, como bem aponta Guzzo em seu artigo, é inconcebível que o advogado tente carrear para a imprensa uma suposta responsabilidade por “criar um clamor popular” contra os réus.

Primeiro, porque a imprensa está simplesmente fazendo o seu papel de levantar, checar e reportar fatos. Segundo, porque a afirmação revela um outro preconceito muito repetido contra a magistratura. Afinal, se um juiz ouve o tal “clamor popular”, está sendo um demagogo. Se se atém apenas aos autos, é acusado de formalista e de não respeitar os anseios da sociedade. Evidentemente, nem tanto ao mar nem tanto à terra.

Outro ponto é a questão que sempre levantamos aqui. Quando o que está em jogo é a relação entre o privado e o poder público, além dos aspectos legais, temos também a questão da ética e da moral, que tanto o advogado Bastos quanto o senador Demóstenes estão omitindo. A alegação da ilegalidade ou não das escutas – destarte já consideradas legais pelo Tribunal Regional Federal de Brasília – não suaviza a gravidade do relacionamento entre um bicheiro e um senador da República, que na verdade é um problema de moralidade pública, para além da legalidade.

Vale comentar aqui a iniciativa de um procurador Regional da República no Rio Grande do Sul, Manoel Pastana, que quer o advogado Thomaz Bastos investigado por indícios de prática de receptação não intencional de recursos de atividades criminosa ou de crime de lavagem de dinheiro, na medida em que foi contratado por Cachoeira por 15 milhões de reais, e pagos por outras fontes. Na representação à Procuradoria da República em Goiás, Pastana argumenta que o bicheiro não tem recursos de origem lícita para bancar tamanha despesa. O caso está parado no Ministério Público de Goiás e vale a pena acompanhar.

Como diz J.R. Guzzo em seu excelente artigo, citando um antigo jurista – sem dar nomes – que ensinava “o direito penal oferece apenas duas opções a um advogado. Na primeira, ele se obriga a só aceitar a defesa de um cliente se estiver honestamente convencido de sua inocência. Na segunda, torna-se coautor de crimes. O resto, resumia ele, é apenas filosofia hipócrita para justificar o recebimento de honorários”.

Mesmo que o senador seja cassado amanhã, o processo na Justiça vai continuar e, como vemos, a cidadania precisa continuar atenta.

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