Livros – Uma filosofia política: argumentos para o conservadorismo, por Roger Scruton

O que torna especialmente importante a leitura do maior pensador conservador britânico da atualidade, Roger Scruton, sobretudo no Brasil, é que entre nós foi banida a doutrina conservadora do espectro político no debate público, com a hegemonia esquerdista da “inteligência” nacional nos últimos 50 anos.

A começar pela tradução de “conservatism” por “conservadorismo”, e não “conservantismo” como existe na língua portuguesa, expressando e conotando mais a doutrina em si, política e filosófica, de conservar como visão de mundo, do que a atitude em si de reagir contra o progresso, e não contra o progressismo. Uma vez que o progresso é inevitável na história da humanidade, mas não e necessariamente às custas dos valores morais humanistas da tradição judaico-cristã. Se liberalismo é a causa do liberal, socialismo do socialista, monarquismo do monarquista, por que não é o conservantismo a causa dos conservantistas, ao invés daqueles que reagem ao progressismo e não ao progresso, o que seria desrazoável? Se existe algo que não advoga um conservantista é exatamente as torções do olhar, as retorções da conduta, as contorções do sentir, as distorções do pensar. Seu compromisso é exatamente com a destorção do mundo das impressões, dos sentidos, das emoções, da tolerância e relativismo humanos.

Mas não criemos ruídos desnecessários na fácil comunicação de Scruton para com os cidadãos providos ao menos de bom senso. Deixemos a discussão sobre a corrupção dos valores morais que sempre está por trás do que ele chama de novilíngua em homenagem a seu conterrâneo Orson Welles de 1984.  Depois retomaremos este ponto, pois não há rupturas linguísticas que não comprometam o compartilhar das ideias. E o limite das licenças poéticas que pode suportar uma língua é sua eficácia funcional de comunicação.

Os 11 capítulos são originários de ensaios, artigos, palestras e conferências singulares, mas sempre com o fio condutor da visão cética dos conservadores e sua necessária contraposição aos ideais esquerdistas que, na experiência da história recente, levaram a humanidade a tantos impasses, desde a atuação dos jacobinos na Revolução Francesa, até os bolchevistas na Revolução comunista russa, o nazismo alemão e o maoismo chinês.

A partir de temas precisos e variados, que estão presentes nas discussões cotidianas – como patriotismo versus nacionalismo, ambientalismo versus sustentabilidade, respeito aos animais e vegetarianismo, aborto e apropriação do corpo, suicídio assistido, o matrimônio como rito de passagem, diversidade de gênero e sexo, novilíngua como corrupção de valores e da própria língua, religiosidade e secularismo –, Scruton oferece uma visão coesa da política, fundada no respeito às tradições e no cuidado pela cultura local.

O conservadorismo defendido por Scruton implica na superioridade cultural do direito consuetudinário inglês sobre o direito positivo continental, quando aquele é mais baseado no discernimento e responsabilidade das escolhas individuais dos cidadãos do que na douta exegese da lei de um magistrado singular ou na interminável cultura recursista do direito positivo dos tribunais. Vide o Brasil de hoje.

A definição de conservantismo, tal como entende Scruton, implica na manutenção da ecologia social, na conservação dos recursos sociais, materiais, econômicos e espirituais da humanidade. O patriotismo é a expressão da lealdade à pátria contra o nacionalismo que implica na xenofobia.  A soberania dos cidadãos sobre a organização das repúblicas é que sustenta a legitimidade dos parlamentos – sobretudo os monárquicos que dividem a representação de governos e Estados independentes das nações, sempre prioritárias diante das decisões de ordem de organizações multinacionais ou multiculturais.

Não a “oikofobia” reinante da doutrina gramsciana de sobrevalorização da “cidadania planetária”, um mito infundado pois impossível de fomentar o controle social efetivo dos cidadãos sobre organismos multinacionais (quem são os “cidadãos europeus” a quem presta contas o Parlamento europeu?), e hegemônica no pensamento esquerdista e socialdemocrata mundial que desvaloriza a lealdade nacional da tradição dos costumes políticos da história humana.

Muito embora prefira falar de novilíngua para explicar a corrupção da língua e dos valores, na verdade Scruton está a se referir implicitamente à hegemonia da revolução cultural gramsciana que domina o mundo do pensamento das elites nacionais europeias a partir do pós-guerra. Como a aceitação leniente do casamento gay como evento simplesmente civil sobre a tradição do casamento heterossexual como sacramento e rito de passagem da tradição judaico-cristã. Como a relativização do valor da vida decorrentes do aborto à mudança cirúrgica de sexo, sob a falsa alegação de propriedade do corpo pelo indivíduo contra a doutrina religiosa do dom divino.

A crítica fecunda que faz dos pensadores esquerdistas do último século destaca os pensadores franceses da revolução cultural de 68 que se intitulam pós-modernistas, ou estruturalistas, que na verdade estavam a questionar a “ordem burguesa” através de seu relativismo moral secularista e gramsciano, sem uma proposta do que colocar no lugar das instituições sociais que antecedem mesmo a “ordem burguesa”, sem, no entanto, abrir mão de valores como o estado do bem-estar social, a segurança jurídica e estabilidade de emprego, a segurança pública dos próprios aparelhos de repressão do Estado, a propriedade privada, o consumismo e as liberalidades de expressão individuais. Veja-se, cita Scruton, o paradoxo de Nietszche sobre a verdade que, para ele, não passa de interpretações de época, o que só pode ser verdade se não for verdade obrigatoriamente.

Além de eleger o pós-modernismo como trincheira da luta conservadora, Scruton passa ao largo de seus antecedentes do romantismo ao barroquismo, talvez por este último ter sido quase inexistente na cultura saxã ou mesmo absorvido na tradição romântica e modernista inglesa. Mas é sem dúvida na reação barroquista ao iluminismo da Renascença a origem da hegemonia da crença sobre a ciência, das emoções individuais sobre os costumes morais. Como sempre dizemos, o que é o romantismo se não a recidiva do Barroco? E o modernismo se não o último grito do romantismo, antes de sua subjugação secularista e pós-moderna? Scruton cita Unamuno: “Perdemos o sentido trágico da vida”, que meu destino é inexoravelmente determinado pelos deuses e desta verdade não posso e nem me cabe escapar.

Se na cultura pós-modernista vivemos o secularismo da profanação do sagrado e do sacramental, contra a presença simbólica de Deus no ensino religioso e na educação moral das escolas, nos tribunais dos países ocidentais e até mesmo nas cédulas do dinheiro, é porque sucedemos a soberba da tentação do romantismo de um homem senhor de seu destino, assim como o Barroco inaugurou o relativismo moral de um homem glorificado por outros homens.

Mas o ponto alto da argumentação de Scruton é a desconstrução do marxismo com a sua glorificação do Estado autônomo da soberania do cidadão, o que resultou no terrorismo institucional da Revolução Francesa, no holocausto bolchevista, leninista, stalinista e comunista, culminando com a banalidade do mal nacional-socialista alemão. E este último foi o precursor do recurso da novilíngua que inverteu o significado do mal como capitalismo. Assim como a Eurolíngua distorce a concepção de autonomia nacional pela contorção da noção de subsidiariedade.  A língua oficial e perversa da burocracia supranacional da União Européia, prenhe de retórica vã, de eufemismos, expressões cultistas e floreadas para enganar o senso comum dos cidadãos. Correspondente aos idioletos dos médicos e dos causídicos apenas para lhes justificar a indispensabilidade de seu douto saber, seus interesses corporativistas e seus altos honorários. Cita para tanto a autora francesa Françoise Thom, em sua deliciosa tese sobre La langue de bois, cujo propósito da novilíngua comunista ou da eurolíngua supra-nacionalista europeia nada mais é do “proteger a ideologia  dos ataques maliciosos realizados pelas coisas reais.” Nada mais ironicamente bem achado. 

O que nos remete imediatamente à realidade brasileira, cujas velhas política e justiça são prenhes da arqui-língua barroquista da farsa, ironia, paradoxo e circunlóquios que sufocam o surgimento de uma nova política.

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