D. Ruth e o povo desorganizado

Semana passada a cidadania teve a triste notícia do falecimento de D. Ruth Cardoso, ex-primeira dama que não gostava de ser chamada assim, mas também uma antropóloga reconhecida no Brasil e no exterior, e criadora do programa Comunidade Solidária, numa parceria entre o Estado e o Terceiro Setor.

O sociólogo Demétrio Magnoli, em seu artigo “O povo desorganizado”, escrito em memória de D. Ruth, traça um perfil lúcido de uma mulher profundamente interessada nas possibilidades que a organização do Terceiro Setor abre para o empoderamento dos cidadãos. Segundo ele, uma citação de D. Ruth resume o seu espírito: “Na juventude eu sonhava com o dia em que o povo organizado tomaria o poder; agora, sonho com o dia em que o povo desorganizado chegará enfim ao poder.”

Ora, num país em que florescem cada vez mais os escândalos do relacionamento espúrio de ONGs de fachada com um governo clientelista, vale a pena entender o que D. Ruth queria dizer com “povo desorganizado”. Quando falamos de associações de moradores, de consumidores, de categorias profissionais etc, estamos falando de cidadãos que se organizaram em uma determinada esfera para defender seus interesses legítimos. E assim temos a chamada “sociedade civil organizada”, dentre as quais as organizações não-governamentais, as ONGs. Com as recentes denúncias, hoje vemos que grande parte dessas organizações não têm nada de “não-governamentais”, mas na verdade são aparelhos de políticos inescrupulosos que querem, no fundo, sabotar as instituições do Estado com a prestação de “serviços sociais” clientelistas.

E a percepção de D. Ruth foi exemplar: o que acontecerá então com a massa de cidadãos que não têm condições de se organizar, reivindicar em grupo, de ir à justiça ou à mídia? É com esse “povo desorganizado”, ao qual o Estado deve servir em última instância, que D. Ruth se preocupava enquanto servia ao país. E que continuou depois, fora do poder, ao criar uma verdadeira ONG como a Comunitas, que atua segundo princípios éticos e não clientelistas. Basta notar que dentre os seus associados parceiros não vemos nenhuma empresa ou entidade pública.

Uma cidadã exemplar se foi, mas seus ideais continuam, como o apoio ao manifesto contra as discriminatórias cotas raciais na educação, ou a transparência compulsória no relacionamento de toda e qualquer instância pública com a sociedade.

Cabe à cidadania se inspirar em seu exemplo e seguir na sua luta, fiscalizando e cobrando. Vamos continuar!

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