Artigo – Do Diário de Comércio de São Paulo: “Ao ocaso de nosso barroquismo, a aurora do bom senso”, por Jorge Maranhão

Do Diário de Comércio de São Paulo:

A queima da memória nacional no último dia 2 de setembro foi tão danosa para a civilização ocidental como a derrubada das torres do World Trade Center no dia 11 de setembro de 2001


  Por Jorge Maranhão 06 de Setembro de 2018 às 20:42  | Mestre em filosofia pela UFRJ, dirige o Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão


Que falta fazem duas vozes de nossos raros expoentes liberais: José Osvaldo de Meira Penna, o psicólogo social do Brasil, e seu contemporâneo e colega Roberto Campos, o guerreiro do bom senso.

Sobretudo neste grave momento em que temos de decidir de vez os rumos deste imenso e ainda tosco país. Ou retomamos o rumo da sensatez, prudência e responsabilidade ou permaneceremos nesta doença infantil do esquerdismo que nos levará ao mesmo destino do horror bolivariano.

A queima da memória nacional no último dia 2 de setembro foi tão danosa para a civilização ocidental como a derrubada das torres do World Trade Center no dia 11 de setembro de 2001.

Só que fomos atacados por inimigos internos, a esquerdalha que segue a cartilha de Gramsci sobre a destruição da “sociedade burguesa” pela destruição de seus valores constitutivos como a história, as tradições, a família, a religião, a democracia, a justiça e a propriedade privada.

Como circula nas redes sociais, não basta se indignar com a generalização da responsabilidade, típico sofisma esquerdista de diluir a culpa pessoal para toda a sociedade.

Temos a obrigação cívica de questionar o MPF: se em danos ao patrimônio público por gestores privados cabe a denúncia de gestão temerária e negligência, como na tragédia de Mariana, por que a mesma denúncia não cabe quando os gestores são agentes públicos, como no caso agora do Museu Nacional?

Reitores, decanos e diretores de instituições universitárias e de museus públicos estão acima da lei por que se acham monopolistas das virtudes sociais e filiados a partidos de esquerda?

É em seu livro “Em berço esplêndido, ensaios de psicologia coletiva” , reeditado em 1999, que o grande diplomata e pensador José Osvaldo de Meira Penna (1917 – 2017), lançando mão dos instrumentos de análise da psicologia social junguiana, faz uma das melhores e argutas sínteses do caráter do brasileiro, quando o define como “homo eroticus”, ou “homo ludens” da tradição da Europa mediterrânea, em contraposição ao ”homo logicus” ou “homo sapiens” da tradição norte-européia.

Em “Da moral em economia”, reeditado em 2002, o autor explica os impasses de nosso desenvolvimento econômico pela visão moral dominante no país, o esforço catequético jesuíta de idealizar os pobres e condenar os ricos a priori, como a “opção preferencial pela pobreza”, lema romântico esquerdista da CNB do B, como satirizava, e que irá contraditar numa outra obra, a “opção preferencial pela riqueza” da tradição calvinista dos países saxãos.

Meira Penna chega a diagnosticar nossas dificuldades culturais diante de não termos experimentado o Iluminismo do século XVIII europeu nem tampouco a tradição do pensamento utilitarista inglês, barrados pela nossa tradição contra reformista católico-barroca. Mas não aprofunda este componente da determinação barroquista como causa de nossa aversão pelo bom senso e a razoabilidade.

Sabemos que o puritanismo protestante veio prover a sociedade norte americana de valores morais condicionantes do progresso econômico capitalista, como honra a contratos, palavra empenhada, apreço ao trabalho e ao mérito, respeito incondicional às liberdades civis e à propriedade privada, aversão à mentira e à farsa.

Mas não sabemos bem por que, ou mesmo como, o catolicismo jesuíta travou nosso desenvolvimento econômico e social, questão a que me dedico há anos e que chamo de nossa predileção incontida pela farsa e seus sucedâneos: torções, retorções, contorções e distorções barroquistas.

Meira Penna exemplifica nossa atitude diante da vida com o padrão de conduta no trânsito, arguta percepção de nossa psicologia social de trocarmos meio de transporte por meio de armamento. E que sintetizei um dia na legenda: “Diga-me como teu povo se comporta no volante, ao dirigir seus automóveis nas ruas e estradas, e eu te direi a que grau de civilização ele pertence”.

Mais a síntese definitiva que faz de nosso caráter, aquilo que melhor nos caracteriza, é quando compara os quatro padrões culturais mundiais com o modo de o povo se relacionar com as leis.

A mais avançada, segundo o autor é “o padrão inglês, onde tudo é permitido, salvo aquilo que é proibido. Menos perfeito que o inglês, temos o padrão suíço, onde tudo é proibido, menos aquilo que é permitido. O terceiro tipo é dos países totalitários, como Cuba, Coréia do Norte, China, onde tudo é proibido, mesmo aquilo que é especificamente permitido. O quarto padrão é de países anárquicos, carnavalescos e antinômicos como o Brasil, onde tudo é permitido, mesmo aquilo que é proibido”.

Não tenho visto melhor análise psicológica de nosso caráter do que a de nosso grande diplomata, pensador e escritor J.O. de Meira Penna, que tanta falta nos faz, juntamente com seu contemporâneo, nascido no mesmo ano, amigo e confrade liberal, nosso maior economista, Roberto Campos (1917 – 2001).

Nosso guerreiro do bom senso, Roberto Campos escreveu uma coletânea de ensaios na década de 80 que é válida até os dias de hoje. Em Antologia do Bom Senso, reeditada em 1996, retoma o tema da doutrina liberal que não entrou na cabeça de nenhum de nossos governantes socialistas e social democratas dos últimos 30 anos.

Embaixador de carreira como Meira Penna, ensaísta, político e estadista, Roberto Campos se diferenciou do pensamento dominante de esquerda de toda uma geração de intelectuais brasileiros do século XX, pois foi um dos poucos que assumiu na trincheira política uma posição doutrinária francamente liberal. De temperamento menos recatado do que Meira Penna, sacrificou uma obra intelectual tão consistente como a dele para travar os embates mais rudes da política.

Como parlamentar constituinte, foi extremamente crítico em relação à Constituição de 1988, denunciando como demagogia o que deveria ser a consolidação das instituições do Estado democrático de direito e o fortalecimento da cidadania, identificando-a como um perigoso expediente de ingovernabilidade do país, na medida em que oferece inúmeros intitulamentos sem as correspondentes provisões.

Constituição dita “cidadã, onde o termo direitos é citado 76 vezes contra apenas 4 vezes é citado o termo deveres. Defensor de Collor no embate com Lula nas eleições de 1998, ficou emblemática, todavia, no final de sua vida, já em cadeiras de rodas, a sua decisão de comparecer à sessão de votação do impeachment do presidente por corrupção, demonstrando, com seu exemplo, que a cidadania está acima de quaisquer interesses.

Seu diagnóstico sobre nossa patologia cultural enumerava cinco grandes doenças dos “ismos”, como chamava: a degradação do valor do patriotismo pelo nacionalismo; a degradação da democracia pela demagogia, ou populismo; o estruturalismo econômico da teoria da dependência cepalina; o protecionismo tarifário que resulta em ineficiência; e o estatismo que vicia a todos a fugir da concorrência. O que nos leva sempre à “vanguarda do atraso”, mesmo diante de países de nosso porte.

Se passados 30 anos e permanecemos com as mesmas “doenças dos ismos” que atravancam nosso crescimento e nos infelicitam a todos, temos de concluir que é chegado o momento, enfim, de um novo pacto pelo bom senso, pelo equilíbrio e pela prudência.

E entender que, mesmo aos trancos e barrancos, podemos superar estas doenças de tudo carnavalizar, torcer e retorcer, contorcer e distorcer, cuja matriz maior não é outra se não a resiliência de nosso barroquismo no inconsciente coletivo, no imaginário social brasileiro, extrapolado das artes e letras do século XVII para os mais variados campos da nossa expressão cultural, como nossa extravagante política, nossa contorcionista justiça e nossa farsante conduta moral e cívica.

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