Artigo – A Prova de Fogo do STF, por Mario Guerreiro

 

Uma vez tendo ocorrido a condenação de Lula na segunda instância, no TRF 4 em Porto Alegre, a Ministra Cármen Lúcia, Presidente do Supremo, já anunciou que, tão logo acabe o recesso,  vai pautar o julgamento em plenário da jurisprudência autorizando magistrados a ordenar a prisão de condenados por um colegiado de juízes, ou seja: por desembargadores da Justiça de qualquer estado da Federação.

 

Cabe ressaltar que há um ano, mais ou menos, o STF criou essa jurisprudência permitindo o encarceramento de condenados por quatro magistrados: um do primeiro grau e três do segundo. Não é exatamente uma lei, porém uma jurisprudência criada pela maioria dos ministros do STF tem força de lei.  Não acreditamos que ela tenha sido uma jurisprudência ad homimem, unicamente para por Eduardo Cunha na cadeia.

 

Foi uma maioria apertada de 6 a 5, com o voto do Ministro Gilmar Mendes desempatando o jogo. O mesmo Gilmar Mendes que já declarou na mídia ter mudado de ideia. Mudar de ideia é um “direito” de todo aquele que as tem quando realmente as tem. Mas, supondo, que outros ministros não tenham mudado de ideia, o placar será de 7 a 4 contra a vigente jurisprudência.

 

Com base nesta mesma, não sabemos dizer se a prisão é obrigatória ou facultativa, dependendo, neste caso, da decisão do magistrado em jogo. Mas caso passe a valer a nova “jurisimprudência”, a prisão será proibida. Isto terá consequências jurídicas e políticas imediatas. A jurídica é que Luiz Inácio Lula da Silva, apesar de condenado por ocultação de propriedade, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, não poderá ser preso.

 

Vamos nos alongar sobre esse tópico, mas antes é preciso esclarecer um outro relacionado com sua prisão. Apesar de não poder ser preso, a não ser quando sua condenação transitar em julgado, ou seja: se, e somente se, for condenado pela última instância recursiva, o STF, Lula já está inelegível pela Lei da Ficha Limpa, a menos que a maioria dos nossos políticos e/ou Ministros das Cortes Superiores inventem mais uma casuística.

 

E mudar de ideia, como dizia meu vizinho machista, “é um privilégio de homens inteligentes e de mulheres bonitas”. No entanto, ele só dizia isto por se considerar uma inteligência superior à de Einstein e sua mulher mais bonita do que Gisele Bündchen…

 

Já ouvimos esta alegação algumas vezes, e é bastante provável que a maioria dos ministros do STF a façam, respondendo a uma ação endereçada a esta Corte: A Lei da Ficha Limpa é inconstitucional, porque ela fere um princípio jurídico básico: O da Presunção de Inocência, ou seja: Todo réu é considerado inocente até que haja o trânsito em julgado, i.e. que o réu seja considerado culpado definitivamente pelo STF. Mas quando? Ora, nas Calendas gregas e/ou when two sundays come together.

 

Não temos a menor dúvida de que a alegação acima é juridicamente procedente, mas deixaremos este assunto para depois. A consequência política imediata da proibição de prender o condenado é que, apesar de inelegível, Lula poderá pedir ao TSE o registro de sua candidatura a Presidente.

 

E o TSE deverá aceitá-la, uma vez que não há nenhuma lei dizendo que um condenado em segunda instância, gozando ainda da Presunção de Inocência, não pode registrar sua candidatura, mesmo que o próprio TSE, diante de uma condenação pelo STF, venha posteriormente a cassá-la.

 

Mas só se ele for inocentado pelo STF, antes de sua possível eleição. E não há a referida lei por causa do ineditismo do caso: os legisladores não poderiam prever a possibilidade de um Presidente da República comandar uma organização criminosa, como já afirmou o Ministério Público, e realizar a maior rapina do mundo dos cofres públicos – literalmente, isto não é uma hipérbole!

 

[A esta altura o sagaz leitor deve estar se sentindo como Teseu no Labirinto de Cnossos, mas sem o fio de Ariadne. Vamos tentar mostrar o caminho de saída. Como dizia Jorge Luis Borges: “O mais importante não é entrar no Labirinto, achar e matar o Minotauro, mas sim encontrar a saída”. Ora, sabemos que o herói grego só a encontrou porque tinha o Fio de Ariadne…]

 

A questão toda está na tal da Presunção de Inocência, que tal como é formulada só favorece o infrator da lei e gera impunidade. Vejamos por que. Todo conhecedor das regras do futebol sabe que o árbitro não deve marcar uma penalidade máxima, o pênalti, quando um jogador sofre uma falta, mas consegue fazer o gol. Como se diz popularmente: “Penâlti em gol é gol”.  Por que? Porque se o árbitro marcasse o pênalti, estaria favorecendo o infrator.

 

Tanto nas regras do futebol como nas regras jurídicas, o bom senso brada aos que o tem que não se deve jamais favorecer o infrator. Ao contrário, o infrator deve ser punido. Mas o que acontece na prática? O réu é condenado em primeira instância e goza da Presunção de Inocência. O réu, já condenado por um magistrado, é condenado em segunda instância por outros três, mas o réu já condenado por quatro magistrados ainda goza da Presunção de Inocência.

 

Será que, na condenação por quatro magistrados, deve ser ainda mantida a “Presunção de Inocência”? Não sou jurista, nem sequer bacharel em Direito, mas o puro bom senso me diz que, a partir da segunda instância deve vigir a Presunção de Culpa! Atentemos para a definição de dicionário: Presunção _ “Ato ou efeito de presumir, suspeita” (Antenor Nascentes: Dicionário Ilustrado da Língua Portuguesa, da ABL).

 

De onde se infere que uma presunção é uma suspeita respaldada em fatos antecedentes. Ora, se o réu for condenado por quatro juízes, isto não é razão suficiente para considerá-lo definitivamente culpado, mas aumenta bastante a pressuposição de que seja, ou melhor: é muito mais sensato nutrir uma Presunção de Culpa do que de Inocência.

 

Decorre daí que, por ser presumida a culpa do réu, ele deve ser imediatamente preso! Ele já teve uma chance na primeira instância onde vale o In dubio pro reo (Na dúvida, favorece-se o réu), mas na segunda instância, essa dúvida diminui com a condenação e aumenta a suspeita de culpa. Nada impede que o réu use e abuse dos recursos jurídicos válidos, mas ele deve recorrer na prisão, não livre, lépido e fagueiro desprestigiando, assim, a decisão colegiada que o condenou!

 

Façamos uma comparação com o Direito americano. Se um réu for condenado em primeira instância, ele será imediatamente algemado e levado para a prisão. Claro que ele poderá recorrer, mas recorrerá devidamente encarcerado. No Brasil, não é assim: O princípio de que não se deve favorecer o infrator sempre funciona no futebol, mas nunca na nossa sábia legislação.

 

Mas voltemos à questão do STF. Tanto a Ministra Cármen Lúcia como o Ministro Marco Aurélio já comunicaram que estão receosos de perturbações da ordem em todo o País, caso Lula seja preso. Como filósofo, isto para mim é um entimema, ou seja: um argumento em que uma ou mais premissas não estão explícitas, mas pressupostas. Explicitemo-lo:

 

Nós, Ministros do Supremo, devemos evitar a perturbação da ordem,

A prisão de Lula acarretará perturbações da ordem,

Logo: Não permitiremos que Lula seja preso.

 

O argumento acima é formalmente impecável. Mas o problema começa quando examinamos a segunda premissa. Não há  certeza nem mesmo forte probabilidade de que o PT vai “incendiar o País”, “o exército de Stédile vai para as ruas”, etc., entre outras bravatas vociferadas pelo PT. Nada aconteceu em Porto Alegre e provavelmente nada acontecerá no Brasil, a não ser o frenético exercício do Jus Sperniandi, o inalienável “direito de espernear”, mas isto é o que resta ao perdedor e faz parte da democracia.

 

Já  chamei alhures essa espécie de grave ameaça de “a moral das vovozinhas”. Costumam dizer elas para seus netinhos: “Menino, se fizeres isto de novo, arranco-te os olhos”. Como elas nunca cumprem o prometido, os garotos não as levam jamais a sério. Como diz o sábio provérbio: “Cão que muito ladra não morde”, e como diz o vetusto provérbio chinês: “Quando as avós entram pela porta a disciplina das crianças sai pela janela”.

 

Contudo, ainda que as ameaças catastróficas de Lula e dos petistas, tenham forte probabilidade de serem cumpridas, o STF não deve pautar sua conduta pelo risco de ameaças terroristas, mas sim pelo fiel cumprimento da Constituição. Ele é o Guardião da Constituição, o verdadeiro Guardião da Ordem é as Forças Armadas, que devem sempre intervir quando esta estiver gravemente ameaçada.

 

Essas mudanças de posição a toda hora e os frequentes atritos entre os ministros do STF só criam um horroroso clima de insegurança jurídica, coisa produtora de insatisfação social e extremamente danosa para a economia, pois afugenta investidores nacionais e internacionais. Quem se arrisca a investir num país em que as regras estão sempre mudando e que ninguém sabe como será o dia de amanhã?!

 

Suponhamos, no entanto, que seja mesmo para evitar uma guerra civil que a maioria dos ministros do STF proíbam a prisão de condenados em segunda instância, incluindo a de Lula, é claro. Ainda que desejássemos, não poderíamos defendê-los da grave acusação de estarem criando uma jurisprudência ad hominem ou seja:  sob medida para favorecer Lula e muitos possíveis políticos envolvidos na Lava Jato. Não acreditamos que o STF dê esse tiro no próprio pé decretando sua falência moral.

 

Para amenizar o clima, uma piadinha: Você sabe qual a diferença entre Lula e um mágico? É que ambos nos enganam, só que o mágico a gente nunca sabe como.

 

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