A desejável autonomia dos tribunais de justiça do Brasil
A desejável autonomia dos tribunais de justiça do Brasil
Diante dessa tragédia inominável que se abateu sobre jovens inocentes em Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul, cabe aqui uma reflexão sobre a responsabilidade civil, que é o sentido primeiro da cidadania. Evidentemente, o momento agora é de dor, solidariedade e de investigação sobre causas e consequências criminais. Mas é preciso também que a ação de investigação, de responsabilidade do Ministério Público e da polícia civil, faça a devida apuração de responsabilização civil e criminal, inclusive de órgãos dos governos estadual e municipal, que podem ser responsabilizados por eventual omissão de fiscalização, expressão de uma plena cidadania.
Com a tragédia de Santa Maria, os noticiários nos lembraram de outro caso semelhante, ocorrido em Belo Horizonte, capital mineira. Mesma coisa: queima de fogos em local fechado, superlotação, falta de saídas de emergência adequadas, extintores inadequados e fiscalização precária do poder público. Na época, depois da responsabilidade comprovada pela investigação, o Ministério Público entrou com ação civil na justiça contra o estado, na figura do Corpo de Bombeiros, e a prefeitura, responsável pela fiscalização. Depois de perder nas duas instâncias do TJ mineiro, o Ministério Público recebeu o acórdão final do Superior Tribunal de Justiça, que não poderia ser mais emblemático: “não existe nexo de causalidade entre a alegada omissão do poder público e o incêndio ocorrido”. Ou seja, para os ministros do STJ, se o Estado não fiscalizou – e com isso deixou centenas de pessoas à mercê de uma falsa “fatalidade” – tudo bem. Ele não poderia ser responsabilizado por nada. Justiça só para as pessoas físicas: o empresário da banda e alguns integrantes, e o dono da boate. E mesmo assim, foram condenados apenas a serviços comunitários.
Pois o nosso comentário chama a atenção para a nítida falta de independência entre os poderes, principalmente entre as instâncias mais altas do poder Judiciário e do Executivo. Como se sabe, os presidentes de cada Tribunal de Justiça estadual são escolhidos pelo governador daquele estado, através de uma lista nem sempre representativa da vontade de todo o corpo de magistrados. E os ministros do STJ o são pela presidência da República. O que esperar então de decisões judiciais que pleiteiam a condenação do Estado, na figura de um governo que os nomeou?
É por isso que setores do próprio Judiciário começam a se articular contra esse sistema. A Associação dos Magistrados Brasileiros / AMB, a Amaerj – dos magistrados do estado do Rio – e outras entidades defendem há algum tempo maior democratização na escolha dos integrantes desses tribunais.
No caso de Santa Maria, o Ministério Público estadual já instaurou inquérito civil público para apuração de responsabilidades civis, para além das criminais. Resta saber se o destino desse inquérito será o mesmo daquele de Minas, que não enxergou responsabilidade do Estado em tragédia semelhante.
Recomendamos aqui na Voz do Cidadão a íntegra de uma entrevista esclarecedora do desembargador Claudio Dell´Orto, da Amaerj, sobre a questão autonomia nos tribunais.