1808 – uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta
Boa notícia esta sobre o desempenho de venda dos livros sobre a história do país, sobretudo nos últimos anos em que se acirraram a indignação e a repulsa da cidadania mais consciente pelos nossos maus costumes políticos. Daí, também ter aumentado o fenômeno de busca pelo entendimento de nossas origens e das chances de sair do atoleiro em que caímos.
Dentre estes livros, destaca-se “1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”, escrito por Laurentino Gomes e lançado pela Editora Planeta. Sem dúvida, este depoimento especial do que ocorreu no ano da mudança da corte portuguesa para o Brasil, feito numa linguagem simples de repórter, talvez seja o mais eloqüente relato de nossa onipresente mazela, que sempre foi a corrupção e o descaso para com a coisa pública.
Algumas passagens são significativas de nossa miséria política. A começar pela Quinta da Boa Vista, o palácio real que Sua Alteza ganhou de um rico traficante de escravos, para morar na nova capital do Império. Dá pra entender até hoje a promiscuidade das autoridades brasileiras para com o crime organizado e a tolerância para com toda sorte de ilegalidade justamente pelos agentes públicos que deveriam combatê-la!
E temos também a nossa orfandade política crônica. Dom João VI é órfão político de uma rainha louca e abandona D. Pedro I à sanha dos aventureiros coloniais. D. Pedro I, por sua vez, abandona D. Pedro II aos desmandos dos coronéis da nossa tradição oligárquica regional. Sem a tradição de autoridade paterna, desejamos até hoje uma fraternidade social por pura mágica da providência divina ou reinal, sem o prévio entendimento da igualdade civil e política e a liberdade econômica que são pré condições para a garantia dos direitos sociais.
A mudança da corte, por si só, é significativa. A corte portuguesa de Lisboa trouxe cerca de 15.000 cortesãos, nobres, funcionários públicos, militares e padres para o Rio de Janeiro em 1808, quando poucos anos antes, em 1800, a transferência do governo do presidente americano John Adams da Filadélfia para a recém-construída capital Washington foi de apenas 1.000 funcionários.
1808, de Laurentino Gomes, é leitura obrigatória para entender a formação – ou deformação – da cultura de cidadania que temos hoje.