O mito, o panelaço e a mídia

Uma das consequências mais evidentes em todo este processo de passar a limpo a imagem política brasileira, protagonizado pela Operação Lava Jato, sem dúvida é a desconstrução do maior mito político de hoje, senão o maior da nossa história: o ex-presidente Lula.

Aos poucos, em doses homeopáticas regulares e firmes, foi-se embora a imagem daquele nordestino aguerrido, vencedor, preocupado com os pobres como ele próprio que chegou ao posto político máximo da nação, a Presidência da República.

O que ficará para a história é a imagem de um político oportunista, com pouco respeito à ética e à moral, e que, não faz muito tempo, se achava acima das leis e das cobranças da sociedade. Sua imagem de pai dos pobres resolve tudo, pensava.

Mas, com as recentes “doses” da Lava Jato e as investigações sobre um apartamento e um sítio de propriedade não declarada, a sociedade mostrou que se desencantou de vez com o mito. Enquanto ia ao ar a sua fala no mais recente programa de televisão de seu partido, o que se ouviu em pelos menos 14 capitais pelo país e dezenas de outras cidades foi um panelaço de grandes proporções. Uma manifestação especial, pois desta vez não era o “poste” de sempre falando. Era o mito, a lenda, o inimputável. Fim de conversa.

E, mais uma vez, assim como tem ocorrido com as manifestações de rua, a grande mídia chegou atrasada. Não cobriu a expectativa sobre o panelaço, convocado com antecedência através das redes sociais. Ela veio depois, apenas para noticiar o que todos sabiam, pois já haviam ouvido o som das panelas. Coloca-se, ela também, na mira da desconfiança da sociedade, na medida em que abdica de seu papel de protagonismo da cidadania em informar e formar cidadãos politicamente responsáveis, missão que também a Educação não tem cumprido.

Por incrível que pareça, quem está fazendo isso são as redes sociais, que nasceram para entreter e unir socialmente as pessoas, mas que têm sido instrumentos fundamentais para as iniciativas da cidadania. Não à toa, a luta de hoje pela mobilização dos cidadãos se trava na dimensão virtual, através de redes como a Amarribo Brasil, o Voto Consciente, o Cidades Sustentáveis, a Aliança Nacional dos Movimentos Democráticos (que engloba grandes mobilizadores como o Movimento Brasil Livre, o Vem Pra Rua, e outros 41), a Abracci/Articulação Brasileira de Combate à Corrupção e a Impunidade, o Observatório Social do Brasil e muitas outras. Juntas, elas têm sido capazes de articular e mobilizar milhões de cidadãos. (Para se ter uma ideia, somente a página do Vem Pra Rua atrai nada menos que 800 mil pessoas). E estão, sim, transformando a relação da sociedade com o fazer política.

Isso tudo à margem da grande mídia, que insiste em ignorar o dia a dia dessa luta, apresentando para seus espectadores apenas fatos consumados, e não todo o processo de articulação e mobilização. Um grande desserviço à transformação que o país precisa, e que passa ao largo dos personalismos e populismos deletérios que invadem o noticiário e saturam os cidadãos.

Essa é a percepção de vários especialistas em mídia, como a consultora em comunicação Nádia Rebouças. Em depoimento para o programa Agentes de Cidadania, ela se mostra preocupada em como a grande mídia não se dedica à voz dos cidadãos, voltando sempre a sua cobertura política para o establishment, o delito e o show. Para ela, “tenho vivido esses anos todos percebendo nitidamente como não se educa através da comunicação, como não se usa a comunicação para transformar consciências. E, hoje, as redes sociais e a internet estão aí.

 

Voltando ao ex-mito, um trecho de sua fala no programa de TV passou batido: “Erramos, mas acertamos mais“. Para quem pertence ao grupo que quebrou a maior empresa nacional e está acusado de rombos bilionários em fundos de pensão, de associação com ditaduras planeta afora, de empréstimos milionários a fundo perdido para governos amigos, de uma dívida pública trilionária que vai gerar uma moratória nefasta em alguns meses – sem falar do desemprego e da inflação galopantes e um estado de caos social equivalente ao de muitos países em guerra – essa frase soa como o velho e batido “Rouba, mas faz“. Lamentável.

Dia 13 de março tem mais povo nas ruas. Participar é dever de cidadania.

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