Roberto Livianu – A Voz do Cidadão https://www.avozdocidadao.com.br Instituto de Cultura de Cidadania Sun, 20 Oct 2019 05:56:49 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.2.8 Artigo – “Duplo grau de jurisdição, sim; quádruplo, não”, por Roberto Livianu https://www.avozdocidadao.com.br/artigo-duplo-grau-de-jurisdicao-sim-quadruplo-nao-por-roberto-livianu/ https://www.avozdocidadao.com.br/artigo-duplo-grau-de-jurisdicao-sim-quadruplo-nao-por-roberto-livianu/#respond Sun, 20 Oct 2019 05:56:46 +0000 https://www.avozdocidadao.com.br/?p=39647 Presunção de inocência não é salvo-conduto

Roberto Livianu

Em 18 out, 2019

Até o século dezoito, não havia regras processuais penais. A punição era ato de vingança e não era fixada racionalmente ao cabo de processos estruturados com garantias, princípios e respeito à dignidade humana, à luz das provas.

O processo foi esquematizado como roteiro obrigatório e sequencial de atos para que houvesse segurança jurídica, previsibilidade, equilíbrio entre as partes e para que se estabelecessem limites ao poder punitivo do Estado, antes absoluto.

Assim nasceram os princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, entre outros. Destes, destaco o do duplo grau de jurisdição, segundo o qual, o acusado tem direito a recorrer das decisões monocráticas condenatórias para os tribunais, onde os julgadores reexaminarão de forma colegiada e independente o caso, podendo manter ou reformar a decisão.

Nos dois graus de jurisdição são examinados e reexaminados os fatos e as provas. A partir daí não se poderá fazer novo reexame, para evitar a eternização dos processos. Esta lógica está presente nos sistemas de justiça de todo o mundo ocidental democrático, visando oferecer garantias processuais plenas de um lado, e de outro, o estabelecimento de um ponto final, para proteger o sistema da indesejável prevalência da impunidade, símbolo de ineficiência estatal.

Como se sabe, além dos tribunais de justiça nos estados e tribunais regionais federais, temos os tribunais superiores – o STJ e o STF, e ambos editaram súmulas vedando novos reexames dos fatos e provas. São a 7 (STJ) e a 279 (STF).

Diferentemente do que afirmam alguns, de forma indevida, nossa Constituição não assegura ao criminoso o direito de somente ser preso para cumprimento da pena após trânsito em julgado da sentença condenatória (momento em que não mais cabem recursos). O artigo 5.o, LVII enuncia, na verdade, que ninguém será considerado culpado antes da decisão final, mas nada se fala e não se veda a prisão.

Nesta linha, democracias modernas como a França e os Estados Unidos mandam criminosos para a prisão após a sentença de primeiro grau. Sequer esperam o resultado de eventual recurso ao tribunal. No plano internacional, a presunção de inocência é vista como um norte jurídico, e jamais, como salvo conduto impeditivo da prisão.

Em nenhum país se exige o percurso a quatro graus de jurisdição, para que se comece cumprir cumpra pena. Bem por isto, em 2016, fixou-se entendimento pelo plenário do STF, por 7×4, tendo como Relator o Ministro Zavascki, que a partir da condenação em segundo grau a pena pode e deve ser cumprida. Afinal é duplo o grau de jurisdição, e não, quádruplo.

Nestes três anos nada mudou no ordenamento jurídico que possa justificar a alteração desta interpretação, que foi marcante no que diz respeito ao resgate da credibilidade da justiça junto ao povo, que, talvez pela primeira vez, tenha sentido que ela teria passado a alcançar poderosos.

Além disto e especialmente a partir deste precedente, aumentou o número de colaborações premiadas, que permitiram a responsabilização de um número significativo de criminosos com muito poder político e econômico.

As colaborações aumentaram porque os delatores tiveram a sensação que a justiça estava funcionando e, temendo altas penas, dispuseram-se a colaborar para alcançar prêmios suavizadores de suas sanções.

O garantismo penal oferece ao acusado sólido sistema de blindagem a abusos do poder estatal, mas também abrange o direito das vítimas ao processo eficiente, que garanta a efetividade da proteção aos bens jurídicos abrangidos nas normas penais. Mas não poderá jamais servir como instrumento garantidor de obstrução ao processo e impunidade.

O caso Pimenta Neves, em que o assassino confesso da namorada não pôde ser levado à prisão para cumprir a pena antes do julgamento de recursos e mais recursos, mostra-nos com cores vivas que acima de tudo a dinâmica da justiça deve se basear em razoabilidade e bom senso. É o que o país espera que prevaleça hoje.

Roberto Livianu é promotor de Justiça São Paulo, doutor em direito pela USP, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC) e diretor do Ministério Público Democrático (MPD).

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Artigo – O que está em jogo no dia 24, por Roberto Livianu https://www.avozdocidadao.com.br/artigo-o-que-esta-em-jogo-no-dia-24-por-roberto-livianu/ https://www.avozdocidadao.com.br/artigo-o-que-esta-em-jogo-no-dia-24-por-roberto-livianu/#respond Tue, 23 Jan 2018 18:50:06 +0000 http://www.avozdocidadao.com.br//?p=28031

A declaração de Gleisi Hoffmann nega a essência da República e chantageia a democracia 

*Roberto Livianu, para O Estado de S.Paulo

22 Janeiro 2018 | 03h07

“Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente. Mas, mais do que isso, vai ter que matar gente. Aí vai ter que matar.” O pensamento, que se refere ao julgamento do próximo dia 24 pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), remete-nos aos tempos da pistolagem, do cangaço, da matança impune. É uma ameaça criminosa ao Estado e às instituições republicanas, feita sem cerimônia pela senadora Gleisi Hoffmann, do PT do Paraná, que também preside nacionalmente o Partido dos Trabalhadores.

A declaração mostra a magnitude da degradação ética das instituições. O quanto inexiste, em primeiro lugar, o compromisso de um parlamentar com o decoro – afinal, Gleisi Hoffmann ocupa uma cadeira no Senado e tem deveres no plano da dignidade comportamental em relação ao Parlamento e aos representados. Se bem que a pesquisa Latinobarómetro 2017 detectou que, para 97% dos brasileiros, os políticos no Brasil exercem o poder em benefício próprio, despreocupando-se do bem comum. Em segundo lugar, a declaração patenteia também a decadência dos partidos políticos no País, que a pesquisa Lapop da Universidade Vanderbilt 2017 verificou terem atingido o pior grau de credibilidade como instituições, comparando todas as edições da pesquisa.

No comando do PT, Gleisi afirma que será necessária matança para realizar uma prisão determinada pela Justiça. Ou seja, instiga a militância do partido e a própria sociedade à beligerância.

Na mesma linha de degradação, há poucas semanas Antônio Carlos Rodrigues, o presidente nacional do PR, foi preso por corrupção. Ele não renunciou e a executiva do partido não exigiu sua renúncia. Com Aécio Neves não foi diferente no PSDB.

Vale lembrar que o PT foi fundado, em 1980, sob o comando de Lula, um retirante nordestino obstinado, uma ascendente liderança do mundo sindical que se tornou conhecida liderando greves no ABC na categoria dos metalúrgicos.

Em plena ditadura, o PT veio trazendo a promessa do novo, apresentando-se como um partido para representar a classe trabalhadora, a classe média, a intelectualidade, o mundo artístico, contra o coronelismo. Pregou a ética e apresentava algo aparentemente inovador na cena política brasileira.

Nas primeiras tentativas eleitorais, Lula falava em romper com o FMI e simplesmente não pagar a dívida externa, entre outros temas que amedrontavam o mercado. Em candidaturas seguintes o discurso foi se modificando e amoldando às diretrizes dos marqueteiros antenados às expectativas dos eleitores, até, finalmente, a chegada à Presidência, em 2002.

Mas o processo do mensalão, por fatos ocorridos já no primeiro mandato, logo revelaria que as promessas não correspondiam exatamente à prática concreta quando da conquista do poder, o que, aliás, Antônio Palocci, que pertencia ao núcleo duro petista, escancarou na histórica carta de saída, quando chegou a afirmar que o PT tinha métodos que lembravam seita religiosa. Aliás, não se tem notícia de punições do PT aos corruptos do partido condenados em definitivo pela Justiça.

Ali ficou claro que a prática política petista não era diferente da dos demais grupos que assumiram o poder, perdendo-se a oportunidade de mudar o rumo da História do País, que, infelizmente, logo se viu imerso em gravíssimas denúncias de corrupção por atos cometidos por pessoas ligadas ao PT e a muitos outros partidos, na maior investigação de que se tem notícia no mundo, em magnitude de valores – a Lava Jato, em que, por sinal, Gleisi é investigada.

No mensalão evidenciava-se a atrofia do Legislativo. Os deputados eram comprados com mesadas e quem legislava na prática era o Executivo, totalmente hipertrofiado, violando-se o princípio da separação dos Poderes, essencial no sistema republicano democrático.

Nesse contexto, Lula é acusado criminalmente em sete processos e num deles foi já condenado a uma pena de nove anos e seis meses de reclusão por lavagem de dinheiro e corrupção. Sua condenação, sem sombra de dúvida, fere a sociedade brasileira. Mas, por outro lado, representa o amadurecimento do sistema de Justiça brasileiro, que hoje não mais se verga a intocáveis.

Não é admissível que qualquer indivíduo, da direita ou da esquerda, reivindique a condição de intocável. Precisamo-nos livrar urgentemente do foro privilegiado, para a prevalência da igualdade de todos perante a lei.

Uma democracia sólida funciona com instituições sólidas, com valores sólidos, com respeito ao povo. O eixo fundamental das atenções é o ser humano, e não o Estado ou a Igreja, como era no tempo do Absolutismo, de direito divino dos reis.

Essa ideia dos intocáveis e da cultura dos privilégios remete aos tempos da monarquia absolutista, em que tudo era determinado pelos humores do rei.

Hoje temos Judiciário independente, Ministério Público forte e corajoso e a distribuição de justiça tem evoluído a cada dia, não se intimidando com as velhas raposas.

No próximo dia 24 haverá o julgamento da apelação de Lula pelo TRF de Porto Alegre. Ele não é melhor nem pior que ninguém. Deve ser julgado na forma da lei. E a condenação por essa instância poderá torná-lo inelegível, nos termos da Lei da Ficha Limpa, e levá-lo à prisão, nos termos de posição firmada no STF em fevereiro de 2016.

A declaração de Gleisi nega a essência da República. Nega o Estado Democrático de Direito. Chantageia a democracia. É uma afirmação no sentido de não se submeter o acusado ao império da lei. Como se dissesse: Lula é um ser que não pode ser preso jamais, é imune perenemente, quase como um deus, inalcançável pela lei.

Mas ainda há juízes no Brasil!

*Doutor em direito pela USP, é promotor de Justiça em São Paulo – atua na Procuradoria de Justiça de Direitos Difusos e Coletivos -, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

 

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