Artigo – do Globo: “Pundonor”, por Jorge Maranhão

“Em 6 anos, Rio deixou de gastar R$ 3 bilhões do orçamento em programas para conter efeitos da chuva, diz TCM”, segundo matéria do G1 de 11/5.
Imediatamente me veio à lembrança outra notícia sobre a isenção de IPTU que o Sr. Crivella concedeu a 426 templos na cidade em seus dois primeiros anos na Prefeitura, número recorde diante de gestões anteriores. Quando inquerido pela CPI do impeachment da Câmara de Vereadores sobre a relação dos templos beneficiados pela regalia, com base na lei de transparência, o alcaide simplesmente não respondeu alegando sigilo fiscal.
Como vemos, desculpa esfarrapada, falácia populista, contorção argumentativa. Na verdade, mero uso da res publica para fins de favorecimento ao seu sindicato dos bispos, como tenho demonstrado pela nossa cultura política barroquista renitente.
Nossas autoridades públicas fingem desconhecer os princípios morais que devem reger o interesse público. E depois, quando a cidade está caindo aos pedaços, apelam para as fatalidades meteorológicas ou para a falácia do “deus das lacunas”. Se não blasfêmia, puro cinismo.
Ou, no popular, falta de vergonha na cara. Certeza da impunidade. Aposta na ignorância política da plebe. A mesma que, habitante das zonas mais carentes da cidade, antes isentas de IPTU, passaram a receber carnês de mil reais logo que “o bispo da Universal” assumiu.
No barroquismo castelhano de fins do século XV, quando o Brasil ainda estava para ser descoberto, se cunhou o termo punt d’honor, vertido para o português como pundonor, ponto de honra, decoro, altivez, orgulho, brio, respeito, dignidade, retidão, princípio moral que norteia alguém a procurar merecer e manter a estima e consideração dos demais na sociedade, sobretudo a nobreza, os de nobres sentimentos, como medida mesma de legitimação de sua posição social.
Mas como tenho dito, o Brasil nasceu para além da Renascença, em pleno furor barroquista e, filho cultural de total desmesura, se entregou ao populismo mais chulo que distorce a democracia em demagogia. E o iluminismo, que poderia ter sido o contraponto para nosso barroquismo mental, não foi sequer aventado por nossas toscas elites positivistas desde o golpe da república.
Jorge Maranhão é escritor

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