Artigo – do Diário de Comércio de São Paulo: “A omissão de Mourão”

Não queria comentar o artigo do nosso vice Mourão, saído no Estadão na semana passada, uma vez que já teve sua merecida repercussão, embora a maioria reclamando de um possível recado autoritário do general. Mas, como minha leitura é exatamente o contrário, reclamando de sua omissão, talvez por excesso de zelo, resolvi me manifestar, dado o papel decisivo do vice num eventual impasse institucional de nossa história.
Tem total razão o general quando afirma que atingimos as raias da insensatez com esta ameaça de mais um impasse em nossa torcionista, contorcionista e distorcionista república. Tenho defendido a tese de que a sensatez não faz parte mesmo de nossa cultura política de resistente legado barroquista, onde a emoção, a retórica e a farsa são características hegemônicas, pois não vivemos historicamente o iluminismo da prudência e da razão soberana.
Mas quando o general analisa os responsáveis pelo impasse, comete algumas omissões que gostaria de registrar a título de contribuição para a sua reflexão e a de todos.
Se a crise é de todos, é significativo que o articulista comece logo com “a grande instituição da opinião”, a imprensa, uma vez que ela não abre o mesmo espaço para apoiadores e opositores das políticas e estratégias de enfrentamento da crise da saúde pública, por exemplo, propostas pelo governo federal.
Mas, e aí? Os maiores grupos de mídia continuam fazendo da saúde pública uma arma política de oposição ao governo e o que o nosso bravo general tem a propor para evitar este mal? Sentar numa mesa para conversar? Certo. Mas com que trunfos?
O segundo ponto de sua crítica é a “degradação do conhecimento político” quando governadores, magistrados e legisladores “se esquecem de que o Brasil é uma federação”. Mais uma vez me permita o general discordar de que não se esquecem, não. Usam marotamente a sua parcela de poder para boicotar quaisquer das iniciativas do executivo federal e em que campo for.
Até por que, aqui entre nós, o Brasil nunca foi de fato uma federação quando por exemplo constatamos o sistema de redistribuição tributária entre os entes da União. Mais uma farsa barroquista de nossos federalistas de meia tigela.
O terceiro ponto, sobre a usurpação das prerrogativas do poder executivo federal por parte do legislativo e do judiciário, já não é de hoje que estamos atolados no maior dos paradoxos barroquistas, onde o judiciário legisla para além de julgar e o legislativo judicializa para além de legislar.
Sobra para o executivo, sem poder para executar o cipoal de leis enviadas pelo legislativo e os mandados cada dia mais insensatos do judiciário, ficar cativo da apelação ao povo que o elegeu, à reclamação aos bispos que o apoiam e as próprias FFAA que comanda.
O problema é que, se o povo e os bispos apoiam o presidente sem titubeios, as FFAA, acuadas pela histeria das esquerdas que elas próprias deixaram crescer e fazer barulho durante o período militar de 64 a 85, passaram a ser barrocamente ambíguas na sustentação constitucional dos governos civis e, particularmente, o atual.
O quarto ponto sobre a conduta da oposição para degradar a imagem do país no exterior, em que pese a razão do general sobre as barroquíssimas hipérboles no trato das questões da Amazônia e do meio ambiente, considero menos importante diante dos pontos anteriores e em face da atual ameaça de crise institucional.
O artigo se conclui exortando a se entenderem “nos limites e responsabilidades das autoridades legalmente constituídas”, sem em nenhum momento apontar as responsabilidades do próprio presidente, não apenas enquanto chefe de poder, mas sobretudo como chefe de Estado e comandante supremo das FFAA, sobre as quais sintomaticamente o general não se manifesta.
E com esta omissão, mesmo que por excesso de zelo, cabe lembrá-lo que, identificados os inimigos da pátria por ele mesmo nomeados, como os esquerdistas que querem o poder de volta, associados a empresários oportunistas que querem de volta a corrupção, é de se perguntar quais as propostas das FFAA para cumprir o seu dever de defender a pátria.
Pois ninguém está aqui a lhes pedir que cumpram os dispositivos do Art. 142 da Constituição intempestivamente, assim como a ultrapassar a sua competência constitucional, como a mídia esquerdopata histericamente alardeia. Para não dizer que mente, despudorada mente, pois de nenhum de seus comandantes ouviu qualquer sugestão, quanto mais declaração de intenção, de fechar o STF ou o Congresso.
E, como diz o ditado, quem não bate, acaba levando, como no insano despacho do ministro ameaçando generais debaixo de vara. Pois, reitero que não se trata de retaliar com fechamento do Supremo ou do Congresso, mas de tomar a iniciativa de sentar numa mesa para que cheguem a um pacto mínimo de governabilidade os três poderes, acrescidos da imprensa, do MPF e das próprias FFAA, como testemunhas coadjuvantes.
E afirmo que esta omissão do general demonstra que as FFAA não estão cumprindo o seu papel histórico de poder moderador da República, sua principal conquista sobre a grande prerrogativa da Monarquia Constitucional brasileira a partir do golpe de 1889.
E assim tem sido em todas as nossas crises institucionais: de 1891, de 1930, de 1945, 1954 e 1964. Mas não nas crises de 1992 e 2016. Seja por excesso de zelo, seja por zelosa omissão, uma vez que foi oficializada na redação da Constituição “cidadã” a intervenção militar por convocação de um dos poderes em casos de ameaça à ordem e as instituições.
A pergunta que se deve fazer numa possível reunião dos três poderes é sobre qual o critério de legitimidade maior para a convocação das FFAA, se não pela anuência de seu comandante-em-chefe, e dada a representatividade de cada poder em face da cláusula pétria de que todo poder emana dos eleitores.
E esta, mesmo que por zelo, é a mais grave omissão de nosso vice general: se não cita as FFAA, e seu trunfo histórico e constitucional, uma vez que o chefe do poder executivo foi eleito por quase 60 milhões de cidadãos para cumprir uma agenda de governo e é também chefe de Estado.
Grave e zelosa omissão por não explicitar o trunfo eleitoral do chefe de Estado brasileiro e permitir que a mídia esquerdizóide viva a trocar barrocamente as funções de estado por governo e vice-versa, quando politicamente lhe interessa, é claro.
Pois se o chefe de Estado é o chefe das FFAA, é por consequência o poder moderador entre os demais poderes e, portanto, acima hierarquicamente dos chefes dos poderes judiciários, que não tem, aliás, um único voto, uma vez que juiz não é eleito no Brasil, a exemplo de países mais avançados como os EUA.
Ao contrário, vivem em crise de credibilidade, uma vez que alguns foram nomeados por presidentes acusados de corrupção ou simplesmente depostos. O que moralmente os obrigaria de abstenção ao julgar causas de interesse de seus ex-patronos.
Assim como os chefes de poder legislativo que, nenhum deles, mesmo se considerados os votos somados de todos os parlamentares das mesas diretoras de ambas as casas, não chegaria perto do total de votos do presidente da República.
Ao contrário de sua omissão, nosso honrado general deveria enfatizar o trunfo constitucional do chefe de governo brasileiro que acumula o cargo de chefe de Estado. E e não permitir a farsa barroquista dos inimigos da pátria, fabricadores de diuturnas e falsas crises, de trocar alhos por bugalhos. Na cara dura, caraca!

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