Artigo – Do Diário de Comércio de São Paulo, “A grande mídia e o Brasil”, por Jorge Maranhão

Quando os controladores da grande mídia irão intervir para garantir uma mínima imparcialidade e a própria sobrevivência de seus negócios?

por Jorge Maranhão 05 de Abril de 2019 às 11:00Mestre em filosofia pela UFRJ, dirige o Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão e autor de “Destorcer o Brasil. De sua cultura de torções, contorções e distorções barroquistas”

Durante décadas apostei que a grande mídia no Brasil, pelo peso de sua influência cultural e empatia da população, seria decisiva para promover o desenvolvimento de uma elite política de que o país tanto necessita.
Vendo a transmissão da sessão da CCJ inquerindo o Paulo Guedes nesta semana, no momento em que um desqualificado deputado o chama de Tchutchuca, tive vergonha de ser representado por tamanho baixo clero. Para não dizer baixo nível mesmo!

Senti vergonha de fazer parte de uma elite cultural que fracassou pela sua omissão em participar da vida política de modo a não dar lugar ao circo em que tais sacripantas transformaram as Casas Legislativas brasileiras.

Tenho em todos esses anos defendido a tese de que só escaparemos da armadilha do baixo crescimento, do impasse civilizatório e de nosso atávico complexo de vira-latas se uma elite verdadeiramente cidadã colocar a reconstrução do país acima de seus interesses corporativos por mais legítimos que sejam.

E para além das trincheiras política, social, econômica e judiciária, começar esta revolução cultural na trincheira da mídia. Não apenas pela sua excelência técnica, seja no campo do entretenimento, seja na do jornalismo.

Mas sobretudo por ser a única instância de transformação cultural com escala nacional e capacidade de persuasão quase instantânea. Pois não basta expor o circo ao ridículo. Temos de condená-lo!

Durante décadas apostei que a Globo, por exemplo, poderia ser a nossa Fox Corporation que construiu e unificou o espírito nacional americano a partir da magistral campanha “Crime doesn’t pay” da década de 40.

Sobretudo depois do advento da Operação Lava-Jato, que tem mobilizado o civismo e patriotismo transformador de milhões de cidadãos e cidadãs despertos, enfim, para a verdadeira cidadania política.

Mas uma decisão desta magnitude tem de ser tomada pelos controladores das grandes redes de mídia e não pelos artistas e jornalistas produtores de conteúdo e o quadro de executivos que os transforma em gigantescas máquinas de faturamento. Pois nem tudo pode ser delegado.

Se até hoje nossa maior empresa de mídia se saiu bem nesta equação é de se perguntar porque de uns anos para cá os seus programas, até então merecedores de audiências recordes, não têm conseguido transferir esta admiração para a reputação da própria corporação.

Diante de campanhas vigorosas nas redes sociais que difamam a imagem da Rede Globo, por exemplo, os produtores e executivos de seus programas têm feito a escolha errada ao peitar os produtores de conteúdos independentes das redes sociais e os formadores de opinião da sociedade civil, ao invés de aprender com eles as suas estratégias de argumentação que resultaram no fenômeno de descoberta da face oculta de nosso conservadorismo.

Ao contrário, os globais partiram para uma radicalização que, não apenas atrasa o Brasil, como pode colocar em risco o futuro da própria organização.

Pela primeira vez desde a morte de seu fundador, os seus sucessores terão de fazer uma escolha entre a visão de mundo progressista da maioria de seu quadro de funcionários e o novo imaginário social, conservador na sua essência, que surgiu a partir das megamanifestações de 2013.

Ou seguem a opinião democrática da maioria dos cidadãos a favor do atual governo -que compõe a maior parte de sua audiência -ou as opiniões de seu pessoal interno com relação às pautas em jogo no debate público nacional, como desarmamento geral x permissão de armamento em casos especiais, família tradicional x construção social, feminismo x feminicídio, aborto x luta pró-vida, minorias sexuais x militância LGBT, resgate da honra policial x vitimização de bandido, fatos e versões de registros da história recente do Brasil etc

Tirar a esquerda da educação pública de repente vai ser mais fácil pois o patrão mudou. Mais difícil será tirar da empresa de mídia privada, onde os patrões não mudam e compram a farsa de sempre de seus jornalistas e artistas.

Conversando com um dos mais graduados do jornalismo da emissora, ele me disse que imparcialidade para eles é a socialdemocracia mesmo, que não é nem o petismo desmoralizado pela corrupção nem a extrema direita do bolsonarismo obscurantista! Tentei argumentar que não, mas não adiantou.

São todos “ungidos” e acima da plebe ignara moralista que cometeu a insânia de eleger um governo conservador! É de lascar!

Proponho então, em prol do Brasil, um desafio para os controladores das grandes empresas de mídia: que se faça um daqueles testes ideológicos triviais –que o próprio jornal O Globo já publicou –com os próprios produtores de conteúdo de informação e entretenimento para se verificar a hipótese que levanto.

Teste com questões relativas às próprias pautas dos telejornais e telenovelas: desarmamento, programas assistenciais, cotas raciais, direitos trabalhistas, carga tributária, maioridade penal, pena de morte, migrações, corporativismo e sindicalismo, família tradicional, sexualidade e ideologia de gênero, entre outros.

Verificaremos claramente que a quase totalidade de nossos produtores de conteúdo são de extrema esquerda, de esquerda ou de centro, e jamais de direita!

E aqui a pergunta essencial: imparcialidade jornalística é ser de centro, socialdemocrata, sem incluir a direita para relativizar eventual posições da extrema direita, como incluem a extrema esquerda para relativizar posições de esquerda?

Lamento discordar. A socialdemocracia não é centro ou garantia de imparcialidade. Como diria nosso gênio da raça Roberto Campos, que se confessava de direita e liberal quando a imprensa lhe pespegava o rótulo de extrema-direita, “a socialdemocracia nada mais era do que o socialismo envergonhado”.

Eu diria que se trata de uma torção barroquista, a farsa de apresentar como imparciais posições de centro quando não acompanhadas de uma posição clara de esquerda e de direita.

É o mesmo que ocorre com nossa crença barroquista na alegada “democracia racial” brasileira, onde somos todos pardos, mais pretos ou mais brancos dependendo da conveniência da situação.

Na verdade, se trata exatamente ao contrário, de parcialidade. Da chamada estratégia das tesouras de alternar o poder entre a esquerda carnívora e a esquerda vegetariana, exatamente o esquema de poder que democraticamente os cidadãos brasileiros repudiaram nas urnas, elegendo um conservador nos costumes e liberal na economia, sem voz no elenco de produtores de conteúdo da grande mídia.

E agora? A grande mídia manterá a farsa barroquista da hipérbole de chamar direita de extrema-direita e a esquerda socialdemocrata de centro? Mesmo batendo de frente com a opinião da maioria dos cidadãos que lhe garante a audiência?

Mesmo perdendo audiência a olhos vistos e, junto com ela, a credibilidade e o faturamento? Ou recuará, convocando produtores de conteúdo de direita legítima para garantir de fato a tão alegada imparcialidade?

No caso da Rede Globo, por exemplo, a decisão que poderá evitar a trajetória de confronto com a opinião pública conservadora que resolveu sair do armário será a de manter ou recuar do editorial de 2013, feito pela sua equipe de produtores de conteúdo, que revisou como erro o apoio dado pelo seu fundador à intervenção militar de 64.

Quando os controladores da grande mídia irão intervir para garantir esta mínima imparcialidade e a própria sobrevivência de seus negócios? Como diria Nelson Rodrigues: “O pênalti é tão importante que tem de ser batido pelo presidente do clube”.

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