Anatel e o direito à privacidade dos cidadãos

Anatel e o direito à privacidade dos cidadãos

Hoje vamos fazer neste espaço uma pergunta aparentemente simples: pode um órgão do poder executivo legislar, como se fosse Legislativo, ou julgar, como se fosse do Judiciário?

A resposta parece simples: claro que não. Mas e quando estamos falando das chamadas agências reguladoras, criadas para mediar conflitos e interesses entre entes privados, no caso, segmentos de mercado e os consumidores? Para cumprir seu papel, as agências atuam como câmaras de conciliação, frequentemente firmando termos de ajustamento de condutas e procedimentos entre os pólos consumidores e fornecedores de determinado bem ou serviço. A regulação das agências deve ter supremacia sobre a regulamentação privada, mas nunca sobre a regulamentação das leis que, estas sim, prevalecem sempre como atividade legislativa de necessária abrangência pública. O risco para a sociedade acontece quando um órgão regulador extrapola de suas atribuições e passa a tentar controlar e tutelar o que deveria apenas regular, seja o polo consumidor seja o fornecedor. Daí a importância de agências fortes, autônomas, não aparelhadas e independentes do jogo político.

Vamos tomar o exemplo recente do setor de telecomunicações e sua agência reguladora, a Anatel. A agência decidiu na virada do ano pela aquisição de modernos sistemas de fiscalização das operadoras de telefonia, e agora vai passar a ter acesso aos dados detalhados de ligações telefônicas fixas e móveis, que são informados aos usuários nas contas telefônicas. Pelo sistema anterior, apenas as empresas possuíam esses dados, que eram repassados regularmente à agência.

São dados que, apropriados para interesses escusos, ferem o princípio constitucional da inviolabilidade dos dados telefônicos dos cidadãos. É o chamado “sigilo de dados”, que somente pode ser quebrado por decisão judicial fundamentada. Diante das críticas, a Anatel se apressou em divulgar uma nota onde afirma que os dados de cada cliente das operadoras continuam sigilosos e que a entidade reafirma seu compromisso com o disposto no Artigo 5º da Constituição Federal, Inciso XII, sobre a inviolabilidade das mensagens dos cidadãos, exceto por decisão judicial. Mas aí temos outra pergunta: quem garante?

As entidades da sociedade civil estão de olho. A organização de defesa dos consumidores Pro Teste aprova os novos sistemas, mas já afirmou sua disposição de fiscalizar a sua correta implementação e utilização, em parceria com o Ministério Público e até a OAB. Afinal, o que pode ser usado apenas para controle de tarifas de telefone, pode ser uma porta para uma grande distorção, sob o manto tutelador e demagógico de governantes de ocasião.

Aqui na Voz do Cidadão fizemos questão de publicar a nota oficial da Anatel acompanhada da nota da entidade Pro Teste. Vale um debate mais aprofundado.

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