Paz no Ano Novo

Lemos nos jornais que a Prefeitura do
Rio de Janeiro manda instalar dezenas
de câmaras de vídeo para
fiscalizar a festa do réveillon
da cidade. São cerca de dois milhões
e meio de cidadãos brasileiros,
vindos de todos os estados da federação,
e estrangeiros de toda parte do mundo,
que se encontram na mais santa paz na
orla das praias da zona sul da cidade
para ver o espetáculo dos fogos
que comemoram o romper do novo ano.

São centenas de carros de polícia
e milhares de policiais. O que ocorre,
repetimos, na mais perfeita ordem, sem
nenhum registro mais grave de violência,
há seguidos anos, numa cidade que
é notícia de crimes, assaltos,
balas perdidas e confrontos de bondes
e arrastões de bandidos e marginais
durante todos os demais dias do ano.

No entanto, abrimos os mesmos jornais
na manhã do dia seguinte e não
vemos a manchete da paz e da ordem. Não
vemos o enaltecimento da concórdia
entre os cidadãos. Lemos, ao contrário,
que algumas das câmaras espiãs,
que a verve irônica dos cariocas
já apelidou de big brothers, sequer
abriram seus olhos, com algum defeito
no seu olhar mecânico atribuído
rapidamente ao excesso de aparato tecnológico.

Isso tudo trás à pauta a
velha questão dos limites do controle
do Estado sobre a vida privada dos cidadãos,
da quebra da privacidade, da espionagem
eletrônica pela paranóia
da insegurança, temas abordados
desde a década de 50 pelo escritor
inglês George Orwell no seu livro
1984 – uma profecia do que seria o mundo
no final do século, oprimido pelo
totalitarismo de um Estado, orientado
mais pelo poder ilimitado de sua burocracia
do que pelo princípio do amor e
da justiça entre os homens.

Se o big brother é a violação
dos direitos humanos e civis à
vida privada, a invasão da casa
como refúgio inviolável
do homem, temos como recompensa de circo
oferecida pela mídia de entretenimento
a paródia do voyerismo dos realities
shows.

A questão colocada pela Voz do
Cidadão, no entanto, é o
precedente que tal costume abre para os
instintos primários de uma horda
cada dia mais alienada da audiência.
A prevalecer este mal costume estaremos
por enaltecer a barbárie e a formar
anti-cidadãos, sem consciência
dos limites entre o público e o
privado. Quando o princípio da
cidadania, enquanto cultura de boa conduta
social entre os homens, preconiza que
só o cidadão consciente
de seus direitos civis pode ser o efetivo
fiscal do seu semelhante.

O que realmente garantiu a paz e a solidariedade
de 2,5 milhões de cidadãos
na praia de Copacabana não foram
os olhos eletrônicos do big brother
do Estado, mas os cinco milhões
de olhos dos cidadãos que lá
estavam presentes e conscientes de sua
autonomia e de sua autoridade enquanto
cidadãos livres e responsáveis
pela sua boa conduta social.

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